Caros
amigos incidentais, companheiros de jornada, irmãos de todos os lugares, dos
moto clubes e oficinas, usuários de veículos de duas rodas, gente diversa e
versada em discutir sobre como desfrutar da motocicleta e de como mantê-la em
bom funcionamento, amantes das viagens, dos relacionamentos em grupo, e de nós
que driblamos os problemas da vida pilotando e fazendo parte da paisagem, bem
vindos à vida.
Falando
no “prazo de validade” do ser humano, essa inquietação, a certeza da finitude, aqui
vai minha homenagem tardia a um ser artista das curvas femininas. Se eu o
tivesse conhecido, não como se fala com um ídolo na fila do camarim, mas como
alguém que desenvolve um bom trabalho e que este atinge muitas outras pessoas,
e fica quando o artista se vai, teria dito a ele que só algo tão sólido quanto
o trabalho dele pode realmente reduzir a nossa sensação de efemeridade, e de
que através de algo palpável poderemos deixar nossa marca.
Oitenta
anos é pouco para nos revoltarmos com a vida, por isso não entendo como tanta
gente consegue viver o tempo todo com raiva. Um amigo, que não direi o nome
para preservar sua integridade e pelo fato de que nem sequer pedi autorização
para citá-lo, afirmou ter tido um infarto e um princípio de derrame aos vinte e
quatro anos. Eu falo por mim, mas acho ter raiva um desperdício de energia
tremendo. O tempo me é muito caro.
Se
não consigo me relacionar com determinada(s) pessoa(s), tento de todas as
maneiras criar novos espaços para não me obrigar a ter contato com quem não
quero. Se no meio em que me encontro recebo muitas criticas negativas ou
infundadas, procuro novos espaços, novos amigos. Troco até de trabalho, como já
fiz muitas vezes. Não tenho tempo a perder com bobagens. Quero, como o
Niemeyer, deixar algo sólido, embora ainda não saiba muito bem o quê, ou como o
matemático John Nash, que queria algo inédito, e apesar de esquizofrênico, queria
tanto que conseguiu contestar uma tese de Adam Smith.
Dei-me
ao trabalho de escrever todo esse raciocino acima por que me encontro há alguns
dias sem motocicleta. E tenho sentido muita tristeza. Não pelo fato de estar
sem um bem material, mas pela diferença no deslocamento diário. Não me sinto
mais nem menos finito, se foi isso que dei a entender, mas acredito estar
perdendo dias de felicidade andando de ônibus, já que é uma grande felicidade
para mim andar de motocicleta.
Lembro
uma grande lição que aprendi no oitavo ano do ensino fundamental: o sistema
capitalista só é bom para quem tem dinheiro, já afirmava meu professor de
história do Brasil. Você compra um transporte que não é de todo seu, já que tem
que pagar imposto para poder usá-lo. A empresa que vende uma sucata mecânica
como suprassumo da tecnologia não se dá ao trabalho de disponibilizar as peças
que são necessárias para que o mesmo se mantenha funcionando. E ainda teve alguém
que limitou o número de anos em que as peças de reposição devem estar à
disposição. O sistema falido do Brasil pode proporcionar bastante tristeza.
Joel
Gomes – acadêmico das ciências sociais, motociclista, colaborador e membro do
Brokk MC, triste por estar sem pilotar há muitos dias. (jotagomes@gmail.com)